Eduardo Guimarães

quinta-feira, março 16, 2006

Lembranças de um Tio (heil, junker!)


E então, como se o tempo passasse tão sem medidas, tão velozmente para alguns, tal como um leviatã engolindo tudo o que está em sua frente, sem “eira nem beira”, como cá dizem! A solicitude com que o tempo invade as concepções não deixa nada temerário, ou ao menos não haveria de deixar, certo? Afinal, deixe-se presenciar as insinuações, os fatos, ou os prodígios do presente, mas sem se preocupar com o que se deixa de fazer. Determinadas pessoas pensam dessa forma. A razão é muito ampla! A certeza, sim, é incerta.
O tempo passado acarreta lembranças. Lembro-me bem das peripécias do meu tio Renato, lá para as bandas do interior, sertão brabo. Mas o local de sua toca possuía até um verdejar sem igual lá praqueles lados da Bahia. E era lá em sua propriedade que nós ouvíamos muitas histórias. Algumas sobre o cotidiano mesmo, outras mais hilárias. Montava-se a cavalo, pescava-se, corria-se e, após, fazia-se o jantar. O quê? Eu não me lembro bem... Sei que a base era o milho... Ou as aves caçadas, talvez? Não sei, apenas sei que o céu lá é mais brilhante. Eu vi as constelações do sul de forma perfeita. Órion... Canopus lá brilha intensamente. Meteoros lá passavam também. Um rastro intrínseco.
Num dia lá, um dos rapazes que moravam lá na propriedade desse meu tio estava de bobeira, a um canto, enquanto conversávamos na varanda. Meu tio falou:
_E esse traste aqui, quando na sua primeira vez? Pegou um lençol pra sufocar os gemidos da garota, durante o ato. Mas ele, na hora, caiu, e a casa se assombrou com a gritaria que vinha de um dos quartos. O povo todo saiu e ficou se perguntando o que diabos seria aquilo. Cinco pessoas com o ouvido à porta. Enquanto isso, ao lado de dentro, o rapaz começou a ejacular, e como nunca havia visto aquilo, gritou: “Socorro, papai, que estou morrendo! Acode aqui!”. E o pai invadiu o quarto com duas facas na mão... o resto ele não completou direito, pois estava gargalhando. Já não dá pra entender quando meu tio fala normal, imagina gargalhando.
Pior mesmo foi quando fui tirar a carteira de reservista do exército. Fui tirar nessa cidade, pois os “procedimentos” são menos céleres (dá pra entender, não é?). Esse meu tio me pegou na casa que eu ficava lá, na da irmã de minha mãe. Fui com ele até algo parecido com o SAC da Bahia, onde se tiram RG, CPF, e outras porcarias de papel e tudo. Chegamos, e logo começou com a recepcionista sendo um canhão. Ela enfiava o dedo no nariz que era uma beleza, quase que o dedo se perdia lá dentro.
_Trouxe esse rapaz aqui pra tirar a carteira aí de dispensa. – disse meu tio, ostentando o ar jovial de sempre.
_É mesmo? – disse a mulher.
_É sim... Ele veio trabalhar aqui na cidade, dá pra você fazer os procedimentos aí? Estamos com pressa. Precisamos passar na ADAB ainda, pra assinar lá o que falta (para quem não sabe, ADAB é um órgão ligado a atividades agrícolas).
Logo, saquei qual era a de meu tio. Ora, eu trabalhando lá, seria bem mais fácil de sair a papelada.
_Qual é o nome do rapaz?
Meu tio disse: “Eduardo de Guimarães”. Ao mesmo tempo, eu disse: “Eduardo Guimarães”. A mulher olhou meio desconfiada. Meu tio se desculpou... “é sem o ‘de’, eu me esqueci, sabe como é essa coisa de família, não é?”. Ela chegou a pigarrear em tom ameaçador.
_Vai trabalhar na ADAB é? Meu sobrinho trabalha lá. Em qual setor você vai trabalhar?
Eu lá sabia quais eram os setores da ADAB... sei que era um órgão ligado a atividades agrícolas... acabei utilizando a lógica mesmo.
_Vou trabalhar no setor agrícola. – eu disse. (nada mais lógico, certo?). Mas ao mesmo tempo, meu tio dizia: _No setor de vacinação.
Ora, eu não podia, frente a uma situação daquelas, mostrar-me preocupado, ou temeroso, o que quer que fosse e que me dedurasse. Meu tio emendou:
_É, porque os setores são os de “porte da Bahia pro Pernambuco, pra vacinar vacas e descaroçar a sementeira” – foi algo mais ou menos assim, tão esdrúxulo quanto... eu apenas me continha, querendo rir e com medo ao mesmo tempo, frente àquela mentira, e somente ficava concordando: “É, é, é isso mesmo, com certeza...”.
Pra minha sorte, a mulher ficou um tempo nos fitando e, ao fim, soltou um: “ah”.
Mandou-nos esperar o oficial que fazia o juramento da bandeira lá. O cara chegou depois de meia hora. Eu só queria sair de lá, acabar logo aquela angústia. Imagina a gente ser pego mentindo pro Estado? Coisas desse tipo vinham em minha mente. O oficial chegou limpando as botas. Acho que morava na roça, e ia pra lá a pé mesmo. A mulher virou pra ele:
_Olha aí, Fulano, tem gente hoje aí pra jurar a bandeira.
O cara olhou pra mim de cima a baixo. Abriu uma pequena cômoda com portas de vidro e retirou a bandeira da República Federativa do Brasil, já meio desgastada, mais pelo calor que pelo manuseio, tenho a certeza disso. Então ele se virou pra mim, mandou-me juntar os pés, mãos coladas às pernas (sentido!) e coluna a mais ereta possível.
_Tudo o que eu disser você repete, viu? – disse-me em sotaque sertanejo carregadíssimo. Eu só poderia concordar.
_Eu juro... – falou.
_Eu juro... – repeti.
_...pela República que eu naoksfnaasjnkjbsakfs – começou a embolar tudo, com aquele sotaque, eu não entendi mais nada. Apenas tentava repetir de uma forma monossilábica as palavras do oficial, e juntando os sons que ele fazia. Acho que passamos assim uns três minutos. Era juramento que não acabava mais. E eu na luta, tentando repetir os sons. Acabei que nem sei o que jurei à bandeira. Foi algo que lembrava pátria, Brasil, etc. O resto, não me pergunte.
Acabou o juramento, a mulher carimbou. POF! Oh, carimbo mais demorado, quantos sacrifícios... quando íamos saindo, a mulher perguntou:
_O rapaz é daqui?
_É – respondeu meu tio.
_Não – eu respondi.
Mas aí é outra história!

1 Comments:

Blogger Janaína said...

Volta a escrever!!! ¬¬'

12:06 AM, maio 31, 2007  

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